Juvenal é um cara legal!
É sim! Todo mundo diz!
F...
Mas ele não tá nem aí e é um cara muito gente fina!
Trabalha de guarda num posto de gasolina, nada de mais. Só tem que ficar de olho na malandragem e não deixar os “brou” fazer do pátio uma pista de manobras pra motoqueiros delinqüentes!
Os caras são barra pesada mas não enchem muito o saco do Juvenal não por que no fundo sentem um misto de admiração e pena do cara quando ele vem, manquitolando feito uma égua velha perneta, lhes dizer pra saírem do pátio do posto!
Admiração por que o sujeito tem que ter culhões (Côco roxo pra quem não sabe o que é culhão!) pra enfrentar e mais ainda pra chamar a atenção deles, por que ele fazia isso mesmo sabendo que a um sinal do chefe da gangue, ia virar carne moída; E pena, por que, de repente, diante das máquinas reluzentes, pilotadas por jovens de corpos atléticos e gatinhas saradas da hora, Juvenal parecia, pensavam eles, nada mais que um mendigo maltrapilho e morto de fome!
Era de doer!
Mas Juvenal não tava nem aí, tinha fé no seu próprio taco! A pólio, tardia, apenas lhe tinha tirado a mobilidade e muitos centímetros de sua mirrada perna direita, mas não lhe levara a dignidade e a força descomunal nos braços e punhos adquirida nos bons tempos de estiva no porto de São Francisco!
Os babacas da gangue de motoqueiros não sabiam, mas um soco, que Juvenal lhes acertasse bem de raspão, na cabeça, faria com que seu dono cambaleasse, com as pernas moles como salsichas e se estabacasse no chão onde ficaria, completamente desnorteado por uns quinze minutos!
Eram dez e meia da noite, tempo nublado, tipo chove-não-chove, chove-não-chove mas Juvenal tinha que sair assim mesmo!
Tinha que levar seu filho de oito anos até a casa de sua irmã, tia do garoto, para depois seguir com sua bicicleta estoporada e caindo aos pedaços, para o posto onde trabalha!
Era só o tempo de deixar o guri na frente da casa da tia, dar-lhe um beijo de despedida e picar a mula pro trabalho por que tinha pela frente cerca de uma hora de pedalada! O expediente começava a meia noite e ia até as oito da manhã!
Juvenal é gente boa, como eu disse!
Mas é f...
Isso eu também disse!
Naverdade eu não disse pra caramba, eu disse pra cacete!
Mas ele é f...
E não tá nem aí!
Nesse dia, Juvenal tava meio atrasado!
Era raro isso acontecer, mas ele tava meio atrasado!
Foda chegar atrasado no trampo! Ainda mais que ele não era registrado, já pensou! O patrão não era exatamente aquilo que se podia chamar de “homo SAPIENS”, tava mais pra “PITHECANTROPUS HORRENDUS”! Tremendo safado, homem das cavernas mesmo! Um troglodita, e Juvenal sabia disso!
Tanto que com uma agilidade incomum, cortou um pão de hambúrguer, daqueles redondos, tascou-lhe uma Doriana dentro, embrulhou num guardanapo de papel e junto com um pacotinho de suco de manga em pó, colocou tudo bem arrumadinho dentro de uma sacolinha de plástico! Dessas de mercado mesmo!
Era o lanche do filho!
O guri estudava de manhã e Juvenal gostava de, ele mesmo preparar o lanche do filho na véspera! A irmã do cara dizia pra ele que ela mesma poderia fazê-lo no outro dia pela manhã, pouco antes do gurizinho sair, que assim o pão não ficava murcho, mas não tinha jeito. Juvenal dizia que o cuidado e o carinho com que ele preparava aquele simples pãozinho com Doriana, faria dele o melhor lanche do mundo, ainda que um pouco murchinho!
Não sei se o guri gostava, mas tendo em vista que ele não tinha opção e que nunca reclamou acho que no fim das contas tava tudo certo!
Juvenal era pai solteiro, ou melhor, viúvo, pois a mulher falecera vítima de um acidente de carro,(foi atropelada), um ano depois que o filho nasceu!
Criou o pentelho sozinho se você quer saber, e muito bem criado por sinal! O gurizinho também era gente fina pra caramba, digo..., pra cacete!
Inteligente que ele só. Ligeiro, bom de bola! Notas altas! Fazia uma pipa como ninguém e deixava de queixo caído os marmanjos de doze e até de quatorze anos na hora de empinar!
Brincava de pique esconde, não falava palavrão, nem mijava nos muros da vizinhança como quase todos os meninos do bairro! Tratava os mais velhos por “senhor” e “senhora”, levantava pra dar lugar pr’um idoso ou pr’uma senhora gestante no ônibus! Essas coisas que criança hoje em dia nem sabe o que é!
Ele até tomava banho sem ficar de picuinha quando Juvenal chamava!
O gurizinho adorava o pai!
Adorava sim! Idolatrava até, eu acho!
Era doidinho de pedra mesmo por Juvenal. Não sei se era por que tinha perdido a mãe muito cedo, mas o fato é que, pra ele, seu mundo era Juvenal! Tudo era Juvenal e, para o Juvenal, o gurizinho também era tudo! Tudo, tudo, tudinho mesmo! Era um pedacinho vivo de sua falecida esposa que tanto amou e ama ainda!
“Tão parecido com ela!” – dizia Juvenal com os olhos marejados ás vezes, enquanto o observava correndo com a lata de linha na mão, contra o vento, até que a pipa ganhasse altura!
Êêêêê, Juvenal!
Gente da melhor qualidade esse Juvenal!
E o pentelhinho do filho dele também!
Aos olhos do mundo...
Dois f...
Mas eram gente boa! E felizes também!
Juvenal acabou de preparar o lanche do guri e amarrou junto com um guarda-chuva na garupa da bicicleta! O tempo não tava nada bom e diziam que ia amanhecer chovendo e Juvenal não queria que o guri se molhasse no caminho pra escola! “Deus te dê muita saúde meu filho” – pensava ele – “por que com o que eu ganho, e que mal dá pra alimentar a nós dois, não sei o que eu faria pra comprar remédio se você ficasse doente”!
Eu acho que nesse ponto, Deus dava uma força bem legal pro Juvenal, por que nunca ouvi falar que o gurizinho tenha ficado doente! Nem gripe, dor de garganta, nem nada do que geralmente a molecada tem nessa idade! Eta bichinho porreta!!
Faltavam quinze minutos pras onze da noite e o Juvenal agora tava mesmo atrasado, por que levava vinte minutos, na bicicleta estoporada, até a casa de sua irmã e depois uma hora pra chegar no serviço!
Pra qualquer outra pessoa, cinco minutos de atraso não era nada, mas o patrão era um tremendo pau-no-cú e Juvenal sabia disso! Sabia que por causa de cinco minutos o safado podia despedí-lo e isso é que não podia acontecer!
O cara ganhava pouco mas esse pouco era tudo o que dispunha pra comprar rango e material escolar pro gurizinho! Não dava pra vacilar!
“Mas não dá nada, não!” – pensou – “eu tiro o atraso na estrada! E depois, se der algum bode, digo pro chefe que trabalho no domingo a noite de graça! Acho que vai dar tudo certo!”
Esse é o Juvenal que eu conheço!
A porra do mundo pode estar desabando sobre a sua cabeça mas o cara nunca entrega os pontos! Sempre otimista, sempre esperançoso!
Eu tenho inveja do Juvenal sabe!
Inveja no bom sentido! Eu admiro o cara. Admiro mesmo!
Por que não é qualquer um que consegue levar uma vida f...
O cara teve poliomielite, cara! Sabe o que é isso? Num mundo onde tem engenheiro e advogado trampando de garçom e de motorista, imagina só como é que fica a vida de um cara que não tinha profissão definida e de repente fica com a perna direita mirrada, capenga??!
Juvenal só sabia carregar e descarregar navio, pô!
O patrão não pagava muito, mas o Juvenal era forte e trabalhava muito, de modo que no final do mês, ganhava bem mais do que ganhava agora, no posto!
Agora, depois da pólio...
Fodeu!
Depois perde a mulher que ele idolatrava, o amor de sua vida! De uma forma brutal e repentina, filho pequeno pra criar, comida, roupa, tênis pra comprar, brinquedo de Natal, dia das crianças, aniversário! Salarinho miserável, e aí? O que é que faz??
Juvenal fez! E faz! Muito bem feito por sinal! Na boa, tranqüilo, sem se desesperar, sem atropelo e na maior honestidade! Te falei!
Eu invejo o cara!
No bom sentido!
Tenho inveja sim!
Juvenal trancou a casa, pôs o gurizinho na garupa e saiu derretendo a borracha do pneu da magrela.
Virou à direita na esquina e seguiu pela avenidona Paulo Schroeder, de asfalto, melhor pra andar de bicicleta por que o guidão da bichinha não trepida quase nada e dá pra ir bem mais rápido!
Passou pela frente da escola, na boa, por entre a multidão de estudantes do turno da noite, que tomavam quase a pista toda nos dois sentidos da avenida e segue em frente!
Não dá pra andar muito rápido por que tem muita gente saindo do colégio, na calçada, e até no meio da rua e Juvenal tinha que desviar deles mas tinha que tomar muito cuidado com os carros que vinha atrás de si!
Os minutos se esvaíam como areia fina passando por um escorredor de macarrão mas Juvenal não podia se afobar!
Tinha na garupa uma carga por demais preciosa pra ficar dando bobeira, prá lá e prá cá, no meio da rua e se tem uma coisa que Juvenal definitivamente não era, é vacilão!
Isso não!
Por que Juvenal podia ser um fodido, mas era gente boa e vacilar não era com ele não! Mas não era mesmo!
Mas sabe quando parece que alguém ou alguma coisa tá de sacagem com o cara??
Pois é!
Juvenal tava com pressa, sim, mas tava ligado que a rapaziada, na saída do colégio, se comporta como se fossem donos da rua! Tão nem aí pra quem vem dirigindo seu carro pela rua, muito menos pr’uma magrela toda arrebentada que nem a bicicleta do Juvenal!
Por isso mesmo, quando um panaca de dezesseis anos saiu correndo atrás de outra múmia da mesma idade pro meio da rua, Juvenal conseguiu desviar a tempo, jogando a bicicleta pra esquerda! Ele vinha devagar por que sabia que uma coisa dessas podia acontecer e caso acontecesse, e aconteceu, tinha que estar numa velocidade tal que pudesse desviar ou frear, sem machucar ninguém, por que adolescente é assim mesmo, inconseqüente, irresponsável, pensa que sabe tudo, pensa que vai dominar o mundo, se acham revolucionários e se enchem de si mesmos!
Juvenal era um cara esperto! Pensava longe, pensava rápido!
Vinha devagar e conseguiu desviar...
Mas o “motoqueiro” de vinte anos que vinha atrás não...
As placas de sinalização diziam que a velocidade máxima permitida era sessenta quilômetros por hora e o cara tava a sessenta quilômetros por hora!
Só que ao contrário do Juvenal, o “motoqueiro” não pensava que alguém pudesse se atravessar na frente dele!
Moto leva um tempo pra frear completamente, sabia?
Eu sei, ora bolas! O Juvenal sabia! Todo piloto sabe!
Mas o “motoqueiro” não sabia!
Sessenta quilômetros podem não parecer nada, mas se uma coisa, de repente surgir a dois metros na tua frente, cê não pára nem com reza brava me’rmão! Vai todo mundo pros quiabos, cara! Vai sim, to te falando! Não tem xixi-minha-nega não! Cai mesmo! Bate mesmo!
Hoje, dia vinte e sete de março de 2010 o gurizinho ia fazer dezoito anos!
Eu lembro que, nas poucas vezes em que falei com ele, (por que eu não levo muito jeito com crianças, sou meio casca grossa, se é que você me entende!), sempre me dizia que queria ser piloto de avião!
Sei lá, eu acho que esse negócio de andar de avião é meio coisa de maluco, tá sabendo! Eu me pélo de medo de altura, cara! Não consigo subir em cima de nada que esteja a mais de meio metro do chão e de mais a mais, pilotar uma joça que voa, tenho comigo que é preciso ter um estudo que eu não tenho por que, quem me conhece sabe: sou mesmo meio burrão pra’s letras! Estudar nunca foi o meu forte, mas o gurizinho não! Aquele era o cara!! Inteligente como era, tenho certeza que agora, estaria se alistando na aeronáutica e não duvido nada que o danadinho um dia desses, passasse zunindo, com uma porra d’um caça da força aérea, por cima de nossas cabeças!
Nem te falei o nome dele né??
Era Juvenal também! Que nem o pai dele! Homenagem da dona Maria Elinda, mão do Juvenal filho, ao homem que amava, Juvenal pai!
Ééééééééé!
O Juvenalzinho tinha futuro!
Na época era um f...
Mas tinha futuro!
Tinha mesmo!
Agora não tem porra nenhuma!
Porra nenhuma mesmo!!
Hoje, uma veze por mês, saio da minha casa de manhã cedinho, pego o ônibus na rodoviária e vou passar o dia com o Juvenal!
Ele não mora mais no bairro com a gente, desde que saiu do hospital, na época do acidente!
Chamam de “Hospital psiquiátrico” o lugar onde ele está, mas eu acho aquilo tão parecido com hospício!
Talvez seja por que “Hospital Psiquiátrico” seja um nome mais pomposo que hospício ou sanatório! Ou por que as famílias das pessoas que moram lá se sintam envergonhadas em ter um parente meio pirado das idéias, sei lá!
Não sei se o Juvenal se dá conta da minha presença, apesar de eu ficar o tempo todo ao seu lado, conversando com ele, contando as novidades dos amigos do bairro, da caxeta no final de semana!
Fico muito tempo olhando pra ele, e ele com aqueles olhos esbugalhados, arregalados, fixados em um ponto qualquer além do infinito!
Não sei se dá pra dizer que o Juvenal ainda é um cara fodido, mas agora eu sei que ele não tá nem aí mesmo!
Nem pisca quando conto, pela centésima vez que o JEC, seu time do coração, não disputa mais a série “A” do campeonato brasileiro. Na verdade nem a série “B”, e nem a série “C”, acho eu! De fato, só sei que está disputando o campeonato Catarinense mas depois ninguém sabe o que vai fazer da vida!
O cara era tão otimista, que o JEC podia perder a metade das partidas que disputava, mas o Juvenal continuava torcendo, continuava esperançoso e no fim, o time se recuperava e ainda dava show de bola!
Talvez até tenha alguma coisa a ver, penso de vez em quando, por que agora JEC não ganha mais nada, e o Juvenal não torce por mais nada e eu, particularmente, acho que ele também não vê mais nada, não sente mais nada, não quer mais nada e não espera mais nada, afinal o que ele poderia esperar, né?
Acho que ele não espera nem morrer por que no fim, o Juvenal pai, parece que já morreu a dez anos atrás, no dia vinte e sete de março de 2000! Junto com o Juvenal filho!
Esse texto é baseado na história real de um acidente ocorrido na rua Paulo Schroeder, bairro Petrópolis, em 26 de março de 2010!
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